Neumar Rodrigues

De roceiro a jornalista
O diretor de jornalismo da Rede Globo fala de sua trajetória profissional e das implicações éticas da profissão e de como chegou a diretor de jornalismo da maior rede de televisão do país


Jerúsia Arruda

Em visita a Montes Claros, o diretor de jornalismo da Rede Globo, Neumar Rodrigues, 54 anos, nos concedeu uma entrevista exclusiva, quando falou de sua infância humilde no interior do Rio de Janeiro; de seus sonhos; de como começou a escrever sem sequer imaginar que um dia se tornaria jornalista; das dificuldades que enfrentou para conseguir estudar; de sua trajetória profissional e das implicações éticas da profissão e de como chegou a diretor de jornalismo na Rede Globo.

Neumar por Neumar
Nasci carioca, mas cedinho fui morar na roça, bem no interior do Rio (de Janeiro). E lá, ainda sem saber o que fazer na vida ou da vida, comecei a escrever em pedaços de papel de pão, em tudo o que via pela frente, mas jamais pensei que um dia seria jornalista. Meu sonho de infância, herdado pelo também sonho do meu pai, era ser aviador. Nada contra o jornalismo, mas tinha sonhos, e não sabia o rumo a ser tomado. E o que não via, ia imaginando e escrevendo. Sempre inventava uma história toda vez que um avião passava lá longe, rápido demais daquela minha realidade. Mas sonho é sonho e precisava tentar realizá-lo. Mas ali, na roça, pobre demais, com o passar dos anos o sonho ficou cada vez mais distante. Queria ao menos, estudar, tentar alguma coisa que não fosse roçar pasto e tirar leite nas pequenas fazendas da região. Tinha medos e nenhuma orientação.

Quando descobriu que o que escrevia poderia ser aproveitado?
Sem ter ainda chegado aos 15 anos, inventei uma coisa parecida com jornal (risos!). Era feito com qualquer pedaço de papel e tinha até um nome: O Cebolão. Nele escrevia as fofocas do distrito, fazia pequenas "entrevistas" (um horror!), informava o baile do fim de semana e, por vezes, alguém ainda "anunciava" uma venda de bezerro, cavalo, porco, verduras e legumes. Em troca, recebia papel de melhor qualidade. Tudo era escrito com uma velha caneta tinteiro do meu avô e uns poucos lápis de cor para dar mais "visibilidade" ao "semanal informativo". E aí colava no único bar existente por lá. Mas ainda nem passava pela minha cabeça ser jornalista.

Como foi sua saída do interior?
Precisava estudar e me mudei para a capital. Nos primeiros meses fiquei de favor na casa de parentes distantes. Sem saber ainda o que a vida poderia me oferecer, resolvi fazer um curso de torneiro mecânico no Senai. Lá tinha café da manhã, almoço, lanche e jantar. Temporariamente me livraria das despesas que vinha dando aos parentes. Fiz o curso, mas ainda não era o que queria. O sonho de ser aviador também não mais existia. Acabei como boy numa agência de publicidade. E foi nessa agência que comecei a encontrar meu caminho. Um dia me chega lá um vendedor de anúncio da Revista Manchete e perguntei como ele poderia me ajudar a entrar para a empresa. Me mostrou o caminho das pedras e acabei fazendo uma prova. Estava completamente despreparado, mas tinha estrela. Seis meses depois recebi um telegrama (ainda existe isso?). Fui contratado para fazer os serviços burocráticos do departamento de publicidade. Ganhava como boy uns R$90 e passei para R$750. Inacreditável. Quase dois anos depois, de tanto enviar crônicas para os editores, a direção da empresa resolveu apostar aqui no roceiro.

E a escola?
Mesmo trabalhando no departamento de publicidade, fazia lá meus rabiscos e as pequenas revistas da casa iam publicando. Decidi, então, entrar para uma faculdade. A Revista Manchete pagou os quatro anos. Aquela casa foi tudo na minha vida e carreira. Éramos uma família.

Como chegou à televisão?
Num plantão de fim de semana, quase dormindo porque nada de importante acontecia na cidade (bons tempos!), recebi uma ligação. Era da TV Globo, de alguém que queria me conhecer pessoalmente. Um susto terrível, afinal era a tal da platinada. Nunca tinha feito televisão e estava muito bem na Manchete porque já tinha chegado a redator da revista mais importante da casa. Mas convite tem que ser conferido e logo na segunda-feira estava eu lá. A contratação foi imediata. Comecei na apuração, depois pauta, depois chefia de reportagem, depois editor e, por fim, diretor de jornalismo. Foi um grande vôo sem ser aviador ou passageiro.

Agora tem outros sonhos?
Tenho, mas ainda não sei decifrá-los. Melhor deixar ao acaso. Minha estrela funciona assim. Me quero de coração roceiro, simples, um eterno ajudante e aprendiz.

Você já conhecia Montes Claros?
Minha relação com Montes Claros acabou sendo uma sucessão de coincidências. Dois "malucos" (Alberto Graça era um deles) chegaram à redação da TV Globo e queriam que eu conhecesse essa cidade mineira, seu povo suas histórias. Eu disse que não poderia simplesmente desembarcar em Montes Claros, precisava de um convite para tal. Já em férias, em abril ou maio do ano passado, recebi uma ligação do Professor Ruy Muniz. Acabei indo. Foi um dia complicado porque ele tinha recebido a notícia de que assumiria de fato e de direito sua cadeira de vereador, um ano após ser eleito pelo seu povo. Sua cabeça era só festa, sonhos que brotavam a cada ligação que recebia em seus dois celulares. Gente do Brasil inteiro ligando. E de fora também. Fiquei meio sem espaço, mas, como jornalista, soube avaliar a principal notícia do dia. Ruy Muniz era a grande notícia. Pude ver de pertinho o quanto esse homem é vibrante, fácil de apaixonar. Entrei na onda dele tranquilamente e me senti fortalecido e embevecido com sua garra e determinação em direcionar seu amor ao povo de Montes Claros. Ruy e Moc se confundem. Um caso de amor sem limites. E eu, mortal e apaixonado, me rendi a ambos.

Como se sentiu com o convite para ser paraninfo de uma turma de Jornalismo, em Montes Claros?
Tudo nessa vida é uma troca. Um dia recebi uma ligação da Professora Tatiana Murta, que me disse que um grupo de estudantes de jornalismo queria conhecer o Projac. Agendei e aí, chegaram, se não me falha a memória, oito mulheres devidamente equipadas com suas máquinas digitais. Pedi para um menino pegá-las na portaria com aquele carrinho global e mostrar tudo. Estive com elas, em poucos minutos, por três vezes, na minha sala, depois numa passagem pelo restaurante e, por fim, já noite, novamente no restaurante. Estava indo pra casa e elas (meu Deus!) continuaram aprontando no Projac. No dia seguinte, ao chegar ao Projac, procurei saber se tinha alguma "ocorrência" do dia anterior. Ufa! Tudo em paz. Mas nesse rápido encontro, ficou um carinho especial. E do carinho mútuo, me chegou o convite para ser paraninfo. Aceitei e estou pela segunda vez em Montes Claros, uma cidade que sei um pouco de (quase) tudo, de sua comida, de sua gente.


Como você se define como jornalista?

Um louco por notícias. Um viciado por uma apuração correta e ética. Sempre que volto para casa, já tarde da noite, fico imaginando se não estou levando algum "furo" de uma outra emissora. Isso se chama profissionalismo. Outros acham doença (risos!). Não sou simplesmente jornalista de um programa. Sou jornalista da emissora, à disposição 24 horas para qualquer programa, jornalístico ou não.

Como é trabalhar na direção de um programa como Linha Direta?
Parece sufocante, mas não é. No final de cada reportagem ganhamos a amizade de quem sofreu uma grande dor e isso nos dá forças para continuar. Casos inacreditáveis nos chegam diariamente. Mas quando o caso é exibido e o foragido preso, temos a certeza que fizemos nossa parte. Não fazemos papel de polícia ou justiça, fazemos nosso papel de jornalista.

Com toda essa abertura proporcionada pela Internet, você acha que os jornais perderam espaço junto aos leitores?
Não acredito nisso. É só observar que cada vez mais os jornais estão crescendo, aumentando sua tiragem e engordando suas contas. Culturalmente o jornal é importantíssimo porque é o porta-voz de uma determinada região, de um município, do um bairro ou mesmo de uma rua. São pequenas notícias, o dia-a-dia que só interessa a uma faixa da população. Tem uma máxima que diz o seguinte: jornal não é feito para se ler. Ele é feito para se comprar. Parte é verdade. Senão, vejamos: muita gente só gostade esportes, outras de política, outras sobre economia. Tem quem goste das páginas policiais e outros de cultura local. E ainda tem gente que compra e não olha nem o que está na capa. A Internet não é capaz de fazer, ainda, esse trabalho, publicar essas pequenas notícias diariamente. Ela prioriza a notícia globalizada. Mas caminha a passos largos para pegar parte desse bolo que está por aí perdido. Isto é, tem muito jornal do interior que já tem sua página na Internet. Isso é bom, e é mais uma opção para quem gosta de se informar e ficar atualizado. Mas o nosso querido e amado jornal ainda tem força para peitar a Internet.

Amém! (risos)

Qual a importância da formação acadêmica no exercício do jornalismo?
Considerada o quarto poder da sociedade, a imprensa precisa cada vez mais se qualificar e buscar equilíbrio em suas coberturas. Mas uma imprensa qualificada só se faz com bons jornalistas, profissionais preparados, conscientes de sua importância. A exigência do diploma se insere dentro dessa perspectiva de uma imprensa à altura do nosso tempo. Críticos do diploma costumam dizer que o bom jornalista se forma no mercado, nas redações. Sim, o mercado é escola fundamental para o bom preparo profissional, para o aperfeiçoamento da técnica jornalística, mas o mercado, puro e simples, jamais substituirá uma função básica de qualquer boa faculdade: a formação educacional, a discussão sobre a ética de uma profissão e seus limites, o reforço do bom uso da língua portuguesa, o aperfeiçoamento dos conhecimentos sobre nosso país e do mundo, uma maior discussão sobre o que é uma sociedade justa, democrática e o papel que a imprensa deve exercer para construirmos essa realidade. É errado criticar a necessidade de um diploma, tomando como argumento a falta de preparo das faculdades para formar bons profissionais, que boa parte delas se encontra desatualizada e desaparelhada, com carência de bons professores e de equipamentos profissionais mais modernos. Tudo isso é muito bom e é importante, mas a função básica de uma faculdade é incentivar uma discussão em nível superior. Aprender a lidar com um equipamento moderno qualquer estudante medianamente inteligente aprende em poucas semanas de trabalho numa redação. Mas uma redação jamais dará a esse estudante o tempo e a oportunidade de aprimorar seus conhecimentos e valores sobre a vida, sobre a ética, sobre o respeito ao entrevistado. É na riqueza de uma discussão/formação universitária que se forma a consciência de um bom profissional. Pode-se até discutir como fazer para que alguém que já possua uma graduação possa se formar em jornalismo, cursando apenas algumas disciplinas extras em uma faculdade de comunicação. Mas defender o fim puro e simples da exigência do diploma é não reconhecer o poder, os limites e a responsabilidade social da imprensa.

De um modo geral, como você vê o jornalismo no Brasil hoje?
Vejo com muita preocupação. Vejo um jornalismo tendencioso, engessado, político e, por vezes, sem ética e patronal. Além disso, o mais grave, com notícias mal apuradas, informações atropeladas e sensacionalistas. Vejo, lamentavelmente, um jornalismo que condena sem antes julgar. Seria o mesmo que dizer o seguinte: primeiro você atira e depois pergunta quem é. Quantas injustiças a imprensa vem cometendo, principalmente nos "programetes" de meio de tarde nas nossas televisões. Já viram o nível dos repórteres (?) que entram ao vivo, principalmente com notícias de São Paulo? Nunca vi uma coisa tão horrível e sem ética. Mas como não sou o profeta das desgraças, ainda vejo o grande trabalho social feito pela imprensa. Esse, sim, é que nós dá prazer em ser jornalista. Quando nos sentimos heróis, é que estamos no caminho certo. E como o povo precisa da gente. Cada dia mais.


O que poderia dizer aos novos jornalistas e acadêmicos de comunicação social?
Que sejam jornalistas de verdade. Aprendam a conviver com a notícia – as boas e ruins. A profissão exige sacrifícios. Lembrem-se sempre da ética. A sociedade agradece.


Comentários

  1. Parabéns pela entrevista com Neumar Rodrigues! Mto boa mesmo. Serve como consulta para jornalistas sem ética e que desempenham incorretamente a profissão. Bastante esclarecedora. Devia ser lida e seguida por todos os estudantes e profissionais do jornalismo, inclusive qdo fala sobre ética, apuração precisa e a obrigatoriedade do diploma.
    Mto bem conduzida. Vc foi mto feliz nessa pauta.
    Parabéns Jerúsia!
    Fernando Abreu
    Montalvania/MG

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