Márcio Borges

MÁRCIO BORGES: ARTE E CRIAÇÃO, NATURALMENTE

Em entrevista exclusiva à jornalista Jerúsia Arruda, Márcio Borges, 56 anos, músico, escritor – autor do livro de memórias Os Sonhos Não Envelhecem – Histórias do Clube da Esquina (1996) e do primeiro e cinematográfico livro de ficção, Os 7 Falcões (2001) - primeiro parceiro do músico Milton Nascimento, um dos principais letristas e agora memorialista do Clube da Esquina, autor de clássicos como Um Girassol da Cor De Seu Cabelo e Clube da Esquina, parcerias com o irmão Lô (ufa!), conta o que foi realmente o Clube da Esquina, suas influências musicais e sobre o projeto Museu Vivo e o Museu Clube da Esquina do qual é diretor.

O que era o Clube da Esquina nas décadas de 60/70?Na década de 60, o Clube da Esquina era um embrião, uma idéia sem nome. Um ideal de país. Eu e Bituca começamos a compor em 1964, época de ditadura e repressão em cima da juventude. Em torno dele e dos músicos que freqüentavam o Ponto dos Músicos em Belo Horizonte, Aécio Flávio, Marilton meu irmão, Paulo Horta, irmão do Toninho, Hélvius Vilela, Wagner Tiso, que já eram músicos semiprofissionais, se uniu uma outra galera, a dos estudantes pré-universitários, todos mais ou menos participantes do movimento estudantil que enfrentava a ditadura, eu, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Sérvilo Siqueira, Zé Fernando, Nelson Ângelo. Nessa mistura, chegaram os meninos Lô e Beto Guedes, ainda meninos mesmo, mais os pernambucanos Naná Vasconcelos e Novelli, os cariocas Robertinho Silva, Fredera, Luiz Alves, Joyce, etc, e estava aí a turma que muito depois viria a ser chamada pela imprensa de Clube da Esquina. Mas isso só depois de 1972, depois que o Bituca e Lô gravaram o antológico disco, com participação de muitos dos nomes que citei atrás.

E hoje, o que é o Clube da Esquina?
Hoje Clube da Esquina é uma sigla, uma grife, que significa música boa, de ótima qualidade, música duradoura, que atravessa as gerações e não tem idade. Hoje Clube da Esquina é comparado à Bossa Nova e à Tropicália, é reconhecido no mundo inteiro, e aquela turma de músicos e artistas ficou com seus nomes indelevelmente ligados uns aos outros, mesmo que na vida pessoal cada um tenha seguido seu próprio rumo. Mas não podemos nos esquecer que Clube da Esquina mesmo foram os dois discos gravados pelo Milton. Milton é que é a própria Esquina desse mundo. Nós, quando muito, somos um Fã Clube muito compenetrado.

O que o Clube da Esquina fez com aqueles garotos que se encontravam entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza?
Sinceramente, não posso dizer, mesmo porque, ao contrário do que diz a "lenda", os meninos que freqüentavam a tal esquina não eram músicos nem nada, eram apenas meninos do bairro, desconhecidos como ainda são até hoje. Não são totalmente anônimos porque ainda me lembro do apelido deles, Dago, Landinha, Salomãozinho, Amauryzinho, João Luis, Toin-toin, Samir, Lô, Yé e muitos outros moleques que freqüentavam aquela esquina. A música foi em homenagem a esses meninos anônimos e o povo confundiu tudo, achando que eu e Bituca ficávamos sentados nessa esquina, com Wagner Tiso, Toninho Horta, etc. Nunca rolou isso. Quem ficava na esquina era o Lô, porque ainda era muito menino. Quando muito, o Naná Vasconcelos chegava lá com umas panelas na mão e fazia uma percussão pra divertir a garotada. Dessa turminha, só posso dar notícia do Lô e do Yé, que são meus irmãos. Estão muito bem, graças a Deus.




O Clube da Esquina foi um dos movimentos mais importantes da música brasileira. Quais foram suas influências sobre a MPB desde os anos sessenta?
Anos sessenta, não. Anos setenta e oitenta. Como eu já disse, nos anos 60 ainda éramos estudantes e músicos semi-profissionais. Depois do disco Clube da Esquina, que é de 1972, foi que a gente criou um estilo de compor que logo passou a ser seguido por um montão de gente. O Bituca, então, nem se fala, quantos seguidores. Dos influenciados declarados, cito Gonzaguinha, Ivan Lins, Vitor Martins, Tunai, Fagner, Belchior, Djavan, um monte de cantoras, Elis, Simone, Fafá de Belém, Zizi Possi. Bom, a gente influenciou a MPB inteira. Pelo menos é o que dizem os especialistas. Na verdade, eu me lembro que a própria sigla MPB surgiu um pouco para catalogar o que nós fazíamos, que não era samba, nem bolero, nem samba-canção, nem bossa-nova, nem tropicália, não era brega, não era jovem guarda, não era chique, não era rock, mas também não deixava de ser, e por aí vai. Aí os críticos criaram MPB. Nós somos o próprio motivo da existência dessa sigla MPB.

Quais eram as influências musicais do Clube da Esquina?
Eram muitas e variadas. Como a gente era uma turma e não um "movimento", entre nós podia entrar de tudo, valia tudo, do jazz ao cateretê. Uns iam aplicando os outros naquilo que ouviam e gostavam muito. Villa-Lobos, Richard Wagner, Pixinguinha, João Gilberto, Tamba Trio, Sérgio Mendes, Tom e Vinícius, Edu Lobo, Gianfrancesco Guarnieri, Bill Evans, Miles Davis, Coltrane, Oliver Nelson, Michel Legrand, Bob Dylan, Beatles, Rolling Stones, Crosby, Stills, Nash &Young, Genesis, Pink Floyd, Emerson, Lake & Palmer, e mais Mercedes Sosa, Silvio Rodriguez, Pablo Milanes e tudo mais que viesse de bom. O importante não foram as influências. Foi o que fizemos com elas. Uma "fusion' realizada antes mesmo dos americanos terem tentado.

Como foi ter feito parte do seu cerne?Pra mim foi natural. Muitas vezes, as coisas aconteciam era dentro de minha própria casa, muitos ensaios, reuniões de criação, farras sem pretexto, conversas e confidências, altos e baixos astrais, e por isso, fazer parte deste cerne foi apenas seguir vivendo a minha vida e fazendo as coisas com meus melhores amigos, muito naturalmente, compondo, gravando e vivendo sem pretensão de estarmos sendo especiais.

Quais os artistas da nova geração que poderiam citar como "crias" do Clube da Esquina?
Acho que são muitos, mas não vou citar nomes. Depois falo o nome de um que não é e ele diz "qualé, detesto esses velhos"...

Você idealizou o projeto Museu Vivo e a palavra "museu" nos dá a sensação de recordação, de passado e vocês estão bem vivos (graças a Deus!). Você continua achando que "os sonhos não envelhecem"?
Muita gente já implicou comigo por causa dessa palavra "museu". Pois eu digo que é apenas um preconceito com a palavra. Já vieram me perguntar, por que não criar um "Espaço Cultural Clube da Esquina", em vez de um Museu. Eu respondo: porque não criar um "Espaço Cultural do Louvre", um "Espaço Cultural de Arte Moderna de Nova Iorque", um "Espaço Cultural Guggenheim", ou um "Espaço Cultural do Rock" em Cleveland? Que bobagem. Trata-se de recordação e passado mesmo. O que tem de errado nisso, em ser recordação e passado? É porque Museu, no mundo inteiro, significa isso mesmo, recordação e passado, mas também significa preservação de identidade nacional, significa local de disseminação de valores culturais para as gerações futuras, lugar de propagação de idéias, lugar de ensino e divulgação daquilo que um país produziu de melhor. Então, agora que já sabemos, vamos ensinar ao povo o que significa a palavra Museu. Arrancar dela a poeira e o mofo que foram colocados nela por ignorância ou comodismo. Sonhos envelhecem e morrem. Precisam ser cultivados, escritos, reescritos e guardados a sete chaves, preservados em museus e sarcófagos, para serem eternizados pelos sonhadores, que envelhecem e morrem muito antes.

De um modo geral, o comportamento da juventude de hoje é bem diferente da década de 70, principalmente em se tratando de engajamento social, cultural e político. Como espera que o projeto Museu Vivo seja recebido por esta juventude?
Pela minha experiência até agora - já estamos no terceiro ano de funcionamento - a juventude vem sendo a principal consumidora de nosso projeto. E os jovens comentam muito comigo isso aí que você falou, a respeito das nossas diferenças. Muitos jovens anseiam pela volta disso que mostramos e divulgamos, anseiam por uma espécie de renascimento da criatividade e da ousadia entre os jovens, uma impregnação de valores como amizade, lealdade e companheirismo, aliados a uma atitude de contestação e revolução, todas essas coisas abstratas que a nossa geração, em especial o Clube da Esquina, simboliza para eles.

Montes Claros é a primeira cidade a receber o projeto? Qual a próxima parada?Vamos dar seqüência ao "Jequitur". Museu Vivo em Carbonita e Conceição do Mato Dentro. Depois, São Paulo e Bahia.

Além do acervo do Clube da Esquina colecionado ao longo dos anos, o projeto inclui algo novo?O projeto é muito vasto e inclui uma porção de coisas. No site do Museu,
www.museuclubedaesquina.org.br tem tudo muito bem explicadinho, nossas ações e pretensões. Estamos agora batalhando um local em Belo Horizonte para instalarmos o espaço do Museu e abrirmos as novas atividades para o público.

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