Festas de Agosto

Unidade Identitária
Com características próprias e estilo único, as Festas de Agosto de Montes Claros deixaram de pertencer a um segmento local para se tornar um ritual de representação da identidade do povo montes-clarense

Jerúsia Arruda

As Festas de Agosto começam na próxima quarta-feira, dia 19. A Associação dos Ternos de Catopês, Marujos e Caboclinhos se prepara para os cortejos de sacralização, que acontecem de 20 a 23 de agosto. Sob a coordenação de Mestre Zanza, os seis grupos de congado de Montes Claros - um de Caboclinhos, dois de Marujos e três de Catopês -, saem em cortejo pelas ruas da cidade, expressando sua fé, devoção, religiosidade e alegria, numa manifestação que sintetiza dimensões estéticas e valores simbólicos que dão vida e forma às suas tradições.

As Festas de Agosto se confundem com a própria historia de Montes Claros, e acontecem desde que essa ainda era uma fazenda, no início do século XVIII.

Cada vez mais presente na vida do povo montes-clarense e norte-mineiro, a festa se tornou a maior expressão cultural da região e é tema de estudo para as escolas e academias, que buscam pelo entendimento dos significados de seus símbolos e rituais.

Um questionamento recorrente durante a festa é o porquê de os congadeiros demorarem tanto tempo para percorrer o trajeto do cortejo, que sai do Automóvel Clube, na Praça Gonçalves Chaves, até a Igrejinha do Rosário, na Avenida Coronel Prates.

Mestre Zanza explica que, quando os catopês, marujos e caboclinhos saem em cortejo pelas ruas de Montes Claros, com suas bandeiras e mastros em homenagem aos santos devotos, a proposta é cumprir o ritual de sacralizar os espaços para a passagem dos reis, rainhas e imperador. Segundo o Mestre, é necessário retirar das ruas as energias que não condizem com a sacralidade que se instaura na cidade durante os festejos, e o cortejo dos ternos representa uma limpeza para unificar as partes fragmentadas pela profanidade.

Como a cidade continua sua rotina, com o ir e vir de pessoas e carros, se uma rua for sacralizada e alguém passar - a pé, de carro, de moto, até mesmo um cachorro -, antes que o reinado passe pelo espaço, o ritual é quebrado e tem que ser refeito.

Segundo Mestre Zanza, durante o cortejo, no ir e vir, os catopês estão fazendo uma limpeza energética pelas ruas.
- Os reis não podem andar por um espaço fragmentado, é preciso que ele seja transformado em espaço sagrado. Os meninos vestidos de rei são a prefiguração do rei nagô, que faz a conexão com o sagrado. Se a noite é a bandeira que faz a conexão com o sagrado, durante o dia são os reis. Qualquer coisa que passar por esse espaço quebra o ritual, então os catopês têm que voltar até o rei para se potencializar com sua energia - porque ele representa um canal de energia sagrada para os catopês -, e, então começar todo o ritual outra vez – explica Mestre Zanza.

Isso explica o motivo da demora. O ideal seria que, diante do cortejo, as pessoas esperem na calçada até que este se complete, para, então, atravessar a rua.

Encontro de Ternos

Em 1991 foi instituído em Montes Claros o Encontro de Ternos de Congado de Minas Gerais, e, após o cortejo da manhã de sábado, a Associação dos Ternos de Montes Claros recebe os grupos visitantes de todo estado, que vêm participar da festa. Neste ano, o Encontro acontece no dia 23 de agosto, às 9 horas, na sede da associação. Os grupos visitantes também participam da procissão de encerramento e, junto com os grupos locais, com suas vestimentas bem lavadas, dançam e cantam ao som de tambores em homenagem aos santos devotos. Após a celebração da última missa na igrejinha do Rosário, reis, rainhas e imperadores são coroados; são escolhidos os mordomos da próxima festa; os mastros são descerrados e os devotos reiteram a promessa de voltar no ano seguinte para cumprir nova missão.

Festival
Enquanto os catopês, marujos e caboclinhos se preparam para cumprir sua missão de instaurar um tempo sagrado, paralelamente, a secretaria municipal de Cultura acerta os últimos detalhes para a realização 31º Festival Folclórico.

Criado na década de 1960, como um apoio às tradicionais Festas de Agosto, o Festival Folclórico é realizado na praça Dr. Chaves – Praça da Matriz -, em frente à igreja da Matriz de Nossa Senhora e São José, com shows musicais, barraquinhas de comidas, bebidas e de artesanato, oficinas, palestras, apresentação de grupos folclóricos, reunindo um público ainda maior.

Folclore e cultura Popular
A partir de uma posição consensual dos folcloristas brasileiros, a Carta do Folclore Brasileiro, publicada em 1951, define folclore como a maneira de pensar, sentir e agir de um povo, preservada pela tradição popular e pela imitação, e que não seja diretamente influenciada pelos círculos eruditos e instituições que se dedicam, ou à renovação e conservação do patrimônio científico humano, ou à fixação de uma orientação religiosa e filosófica.

Durante o Congresso Brasileiro de Folclore, ocorrido em Salvador de 12 a 16 de dezembro de 1995, a Carta de 1991 foi reelaborada, considerando as mudanças da contemporaneidade, e folclore é definido como o conjunto das criações culturais de uma comunidade, baseado nas suas tradições expressas individual ou coletivamente, representativo de sua identidade social. A carta também ressalta que o folclore e cultura popular podem ser entendidos como expressões equivalentes.

Todas essas ocorrências em torno do folclore/cultura popular parecem nos revelar a existência de um objeto em movimento permanente, cujo conceito é conseqüência do surgimento da idéia de progresso, e estimula reflexões, debates, encontros e desencontros, configurando um campo de altercação polêmico e instigante e o Festival representa um bom momento para jogar luz sobre essas discussões.

Por exemplo, antes, os marujos usavam o pandeiro quadrado, feito à base de couro, antes de veado e, mais recentemente, de bode. Atualmente, muitos utilizam o pandeiro de plástico ou de fibra, usado nas rodas de pagode, e isso, além de mudar a sonoridade, descaracteriza o grupo. Também se perdeu muito a teatralização dos grupos. Os marujos já não fazem, como antes, a morte do patrão, devido ao trânsito que impede que os devotos permaneçam por muito tempo parados na rua; os caboclinhos não fazem mais a trança do cipó e os catopês não dançam o sarambê. Além disso, muitas das canções se perderam da memória dos grupos.

As Festas de Agosto de Montes Claros, por suas especificidades, são únicas, diferentes de todas as festas de congado realizadas em Minas Gerais e no Brasil. Com o resgate desses elementos tradicionais de cada grupo, que, de modo singular, compartilham do mesmo tempo e espaço para realizar seus festejos, a tendência é que esta se torne cada vez mais específica, unifique ainda mais todas as classes, crenças e credos, e se consolide como a festa de representação da identidade do povo montes-clarense.

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