No limiar da selvageria

Jerusia Arruda

O que é uma sociedade civilizada? Na teoria de Thomas Hobbes, é uma sociedade onde as pessoas têm direito a todos os bens que garantam seu sustento. Quanto às ideias de Jean-Jacques Rousseau, além do sustento, as pessoas da sociedade civilizada devem estar associadas, através de um contrato social, a um corpo político, o Estado, de forma a garantir a proteção e a preservação individual.

Se olharmos a sociedade em que vivemos atualmente pela ótica dos dois filósofos, poderíamos dizer que esta até é civilizada, mas no limiar da selvageria.

Não é preciso muito esforço para atestar a falta de respeito das pessoas e do Estado não só ao bem comum e público, mas, principalmente, à vida.

Milhares de exemplos poderiam ser usados para atestar essa triste verdade, mas basta dar uma volta pelas ruas da cidade, qualquer cidade, grande ou pequena, no interior ou nas capitais, para ver como a banalização da vida se tornou rotina e, pior, como as pessoas se acostumaram com a situação como se fosse algo normal.

Cidadão e governantes renovam dia a dia a cartilha do atraso e do ilícito, onde a regra é o enriquecimento pessoal, sem culpa, mesmo a despeito do sacrifício do pão e do lugar ao sol, mínimo a que todos têm direito.

A avaliação parece um tanto sombria e pessimista, mas é difícil manter a alegria da alma diante de tantas barbáries cometidas legalmente diante de nossos olhos. E nem é preciso fazer referência às espadas e microondas a serviço do tráfico nos morros cariocas. Basta ler os jornais ou assistir aos noticiários para ver autoridades violentando pessoas com deficiência por tentar fazer valer seus direitos; pessoas saqueando donativos que deveriam ser entregues às vítimas das chuvas; governo reservando milhões para publicidade e trocados para o orçamento da Defesa Civil ou cortando gastos de primeira necessidade para custear salários milionários de parlamentares.

A ideia defendida pelos filósofos de garantir o sustento e a proteção ao cidadão está cada vez mais remota e onde quer que se vá, é possível encontrar crianças, homens e mulheres que vivem à mercê, nas ruas, sem nada.

O pior é que ninguém se atreve a mudar a regra desse jogo que já se tornou um círculo vicioso.

Comentários